segunda-feira, 13 de abril de 2015

Esquerda ou direita... negro ou branco... pobre ou rico?



De acordo com o IBGE, a população brasileira tem 50,7% de negros e pardos.  Ainda segundo o instituto, de 2003 a 2013, a renda da população negra e parda cresceu 51,4%. Não obstante, ela é hoje 57,4% da renda média da população branca. Metade, praticamente. Ou seja, negros e pardos ocupam maciçamente a ala pobre do país.

Há dados interessantes também quando o assunto é acesso à educação e à cultura. E para quem quiser se aprofundar um pouco mais, números sobre mortes por assassinatos, por faixa etária, renda e cor da pele.

Em política, especialmente a brasileira, não me apraz nominar “direita” e “esquerda”.  Ainda penso que nos falta ideologia.  Um sinal disso é que somos representados por mais de 30 partidos, criados na quase totalidade para atender pequenos guetos, apoderamento de verbas públicas a eles destinadas, e interesse em cargos políticos em todos os níveis de governo.

Também tão pouco me agrada essa ideia da divisão entre pobres e ricos quando o assunto é política. Embora óbvio seja que os interesses prementes de uns, pouco ou quase nada têm a ver com os de outros.

Quanto à cor da pele, o preconceito por tantos e tantas vezes declarado e estimulado é, de longe, o mais rasteiro sentimento humano. Aliás, não apenas o preconceito sobre raças e etnias. Seja lá de que tipo for, acho abominável.

Não escolhemos a primeira morada. A nossa gestação se dá sem que sobre ela possamos exercer algum controle. E a partir dela, geneticamente falando, somos o que somos. Pretos ou brancos, amarelos ou misturados, héteros ou homossexuais, fisicamente perfeitos ou não.

Socialmente falando, as transformações são possíveis. Não importa se coletivamente ou individualmente. O que Importa são as oportunidades proporcionadas ao indivíduo ou população. Portanto, dependentes do berço, do esforço individual e das políticas governamentais. Nesse processo só não cabe defender a famosa meritocracia como tal propalada comicamente, herança (quase genética), quando, certamente, sabemos tratar-se da realidade financeira de cada berço. 

Seja no Brasil ou na Finlândia, governar é governar. Não há distinção. É necessário haver políticas públicas que atendam as necessidades do país e de sua população.

Direita ou esquerda, negro ou branco, pobre ou rico. Esses carimbos, por vezes, acabam patrocinando uma discussão que beira ao surrealismo. Como se possível fosse reduzir tanto assim a grandiosidade da vida humana, e a partir daí determinar o que merece um branco, um negro, um amarelo, um pobre ou um rico.

Ao longo da minha vida muitas vezes tenho sido identificado como alguém de esquerda. Pode ser. Porém, por consciência, jamais defenderia a esquerda pela esquerda, simplesmente. Como também não me abstenho de criticar as falhas cometidas por governantes de esquerda. De tal forma, considero razoável que semelhante postura valha para as pessoas de direita.

Defendo sim, e sempre, o ser humano, povo, gente. Por consequência, defendo a participação popular. Mais, diria. A participação é um dever de cidadania. E entenda-se como participação não apenas o ato de comparecer a um manifesto qualquer. É no sentido amplo. Nas discussões de agendas públicas e políticas, de ações governamentais, de direitos e deveres constitucionais, e por aí vai. Abordando questões municipais, estaduais ou federais. Vestidos de verde e amarelo, de vermelho, de preto. Caras pintadas ou não. Convocados por uma central sindical, por uma emissora de televisão com concessão pública ou por grupos atuantes nas redes sociais. E sempre com espírito público, com civilidade e respeito e, se possível for, com bandeiras que promovam o bem coletivo.

Parece simples, não?

Parece, mas não é. Ou é, mas não parece.

Hoje, passadas as duas manifestações recentes (15 de março e 12 de abril), durante algumas horas eu me pus a pesquisar um vasto material fotográfico disponibilizado na mídia.

A intenção de quem delas participou é a mesma. Embora a segunda tenha levado um público menor às ruas, teve o mérito de se espalhar por mais cidades e regiões.

O objetivo da pesquisa foi apenas a curiosidade de identificar a cor da pele dos manifestantes presentes. Para a minha (não) surpresa, até em cidades como Salvador, onde a população negra ou parda supera as estatísticas do IBGE, a esmagadora maioria é branca. Há de se prestar muita atenção para encontrar alguém diferente disso.

Tão pouco me surpreenderia se alguma pesquisa apontasse também que a mesma maioria esmagadora está fora daquilo que poderíamos classificar como população pobre.

Eu deveria dizer que não aprovo a pecha de "elite branquinha". Que discordo frontalmente. Se alguém afirmar que tais manifestações são patrocinadas por ela, cometerá um grave erro na medida em que isenta ou exclui vários outros grupos de interesse. Saudosos dos militares, militares saudosos da ditadura, maçons, TFP, nazistas e fascistas (não pela opção e sim pelo comportamento muitas vezes violento) políticos oportunistas, orgulhosos empresários, e até pequenos grupos de pessoas correndo atrás dos seus cinco minutos de fama (com ou sem nudismo).

Bem, diria você:

- Mas porque aqui nestas nossas bandas tropicais tupiniquins, raramente vemos negros (ou pobres, em alguns casos), participantes dos citados grupos de interesse?

Bem...

E o que isso tudo significa?

PS.: Manifesto aqui a minha discordância em relação ao Partido dos Trabalhadores e seus representantes quando usam o termo "elite branquinha" para minimizar a importância das manifestações. Um eleitor pode até fazê-lo, mas o partido e seus políticos eleitos não.

Eduardo Galeano


A cada ano, os pesticidas químicos matam pelo menos três milhões de camponeses.
A cada dia, os acidentes de trabalho matam pelo menos dez mil trabalhadores.
A cada minuto, a miséria mata pelo menos dez crianças.
Esses crimes não aparecem nos noticiários. São, como as guerras, atos normais de canibalismo.
Os criminosos andam soltos. As prisões não foram feitas para os que estripam multidões. A construção de prisões é o plano de habitação que os pobres merecem.

Há mais de dois séculos, se perguntava Thomas Paine:

– Por que será que é tão raro que enforquem alguém que não seja pobre?
Texas, século XXI: a última ceia delata a clientela do patíbulo. Ninguém pede lagosta ou filet mignon, embora esses pratos apareçam no menu de despedida. Os condenados preferem dizer adeus ao mundo comendo hambúrguer e batata frita, como de costume.

Extraído do livro Espelhos: uma história quase universal, publicado pela L&PM Editores.