terça-feira, 30 de setembro de 2014

Argumentos sim, ofensas não.


Por sexagenário, acompanho e participo das discussões políticas há muitos anos. Mesmo subtraindo o período da ditadura, é tempo demais. Desde UDN e PSD, eu era um quase adolescente que presenciava calorosos embates no seio familiar.

Vieram os militares e a minha geração foi privada de uma vida política mais atuante. O tempo passou e dentro da universidade, na década de 1970, pude retomar esse caminho. 

A luta era incansável e desigual. O exército nas ruas. Mortos e desaparecidos. Perseguições. Tortura.

No final daquela década eclodiram as greves puxadas pelo ABC paulista. Surgiu o Partido dos Trabalhadores. Pressionados, os militares começavam a emitir sinais de transição. Veio o “Diretas já”. Tancredo foi eleito pelo voto indireto e a sua morte empossou Sarney. Depois tivemos o Collor, o impeachment, Itamar, FHC, Lula e Dilma.

Estamos ainda aprendendo sobre democracia. Aprendendo a fazer e a viver sob democracia. O processo é mesmo longo e árduo.

Quem não viveu sob o regime militar não consegue dimensionar o grau de dificuldade que se enfrentou. E se hoje temos total liberdade para expor nossas opiniões e fazer nossas escolhas, é porque existiram pessoas engajadas, com suas ideias e seus ideais. Com seus erros e seus acertos.

Mas ando meio triste nos últimos dias.

E a tristeza existe não por viver em uma democracia que apenas engatinha ou por ser obrigado a votar em uma eleição. A tristeza existe por ver pessoas, algumas com as quais convivi, e até alguns amigos com quem me apraz discutir caminhos e rever conceitos, embarcarem em um trem desgovernado, carregado de ódio, de palavras chulas, agressões e ofensas de toda sorte para simplesmente justificarem as suas preferências político-partidárias. Para defender ou atacar um ou outro candidato, este ou aquele partido.

Somos todos sobreviventes de uma ditadura. Algumas mais, outras menos, outras não, mas como disse, pessoas lutaram para que chegássemos aqui. E por incrível que pareça, mesmo naquelas batalhas mais cruéis onde a palavra era bloqueada por fuzis e cassetetes, percebia-se algum respeito.

Os tempos são outros. A comunicação é outra, instantânea. As redes sociais e a aparente sensação de anonimato. As relações muito mais virtuais do que reais. A falta de contato físico, do abraço, do gesto, do olhar. Acrescente-se a isso tudo um batalhão cada vez maior e melhor remunerado de comunicadores raivosos a serviço de uns ou de outros, entronados em suas revistas, seus jornais, seus blogs, suas rádios, suas TVs, e suas igrejas, que a nada mais se prestam senão propagar e incentivar o ódio, a discriminação e até a justiça com as próprias mãos.

Precisamos repensar esse comportamento. Revisar padrões, rever modelos, resgatar o respeito e os bons modos. Todos nós. Eleitor, político, candidato, partido e mídia. Executivo, legislativo e judiciário.

A própria política não abriga inimigos e sim, adversários. É essa a sua arte.