sexta-feira, 1 de julho de 2011

Sobre jequitibás e eucaliptos

Depois de quase querer me mudar de país lendo o ótimo trabalho feito pelo jornalista Joel Silveira Leite no blog "O mundo em movimento", que desvenda os "mistérios" do preço dos automóveis no Brasil, resolvi - inspirado por um vídeo publicado no Facebook - compartilhar aqui um texto do Rubem Alves.  Se por um lado posso lamentar por ser brasileiro, por outro muito me orgulho.



Sobre Jequitibás e Eucaliptos


Educadores, onde estarão? Em que covas se terão escondido? Professores, há aos milhares. Mas o professor é profissão, não é algo que se define por dentro, por amor. Educador, ao contrário, não é profissão; é vocação. E toda vocação nasce de um grande amor, de uma grande esperança.


Profissões e vocações são como plantas. Vicejam e florescem em nichos ecológicos, naquele conjunto precário de situações que as tornam possíveis e - quem sabe? - necessárias.


Destruído esse habitat, a vida vai-se encolhendo, murchando, fica triste, mirra, entra para o fundo da terra, até sumir.


E o educador? Que terá acontecido com ele? Existirá ainda o nicho ecológico que torna possível a sua existência? Resta-lhe algum espaço? Será que alguém lhe concede a palavra ou lhe dá ouvidos? Merecerá sobreviver? Tem alguma função social ou econômica a desempenhar?


Uma vez cortada a floresta virgem, tudo muda. É bem verdade que é possível plantar eucaliptos, essa raça sem vergonha que cresce depressa, para substituir as velhas árvores seculares que ninguém viu nascer nem plantou. Para certos gostos, fica até mais bonito: todos enfileirados, em permanente posição de sentido, preparados para o corte. E para o lucro. Acima de tudo, vão-se os mistérios, as sombras não penetradas e desconhecidas, os silêncios, os lugares ainda não visitados.


O espaço racionaliza-se sob a exigência da organização. Os ventos não mais serão cavalgados por espíritos misteriosos, porque todos eles só falarão de cifras, financiamentos e negócios.


Que me entendam a analogia.


Pode ser que educadores sejam confundidos com professores, da mesma forma como se pode dizer: jequitibá e eucalipto, não é tudo árvore, madeira? No final, não dá tudo no mesmo?


Não, não dá tudo no mesmo, porque cada árvore é a revelação de um habitat, cada uma delas tem cidadania num mundo específico. A primeira, no mundo do mistério, a segunda, no mundo da organização, das instituições, das finanças. Há árvores que têm personalidade e os antigos acreditavam mesmo que possuíam uma alma. É aquela árvore, diferente de todas, que sentiu coisas que ninguém mais sentiu. Há outras que são absolutamente idênticas umas às outras, que podem ser substituídas com rapidez e sem problemas.


Eu diria que os educadores são como as velhas árvores. Possuem uma face, um nome, uma "história" a ser contada. Habitam um mundo em que o que vale é a relação que os liga aos alunos, sendo que cada aluno é uma "entidade" sui generis, portador de um nome, também de uma "história", sofrendo tristezas e alimentando esperanças. E a educação é algo para acontecer nesse espaço invisível e denso, que se estabelece a dois. Espaço artesanal.


Mas professores são habitantes de um mundo diferente, onde o "educador" pouco importa, pois o que interessa é um "crédito" cultural que o aluno adquire numa disciplina identificada por uma sigla, sendo que, para fins institucionais, nenhuma diferença faz aquele que a ministra.


Por isso professores são entidades "descartáveis", da mesma forma como há canetas descartáveis, coadores de café descartáveis, copinhos de plástico para café descartáveis. De educadores para professores realizamos o mesmo salto que de pessoa para funções. (...)


Não sei como preparar o educador. Talvez porque isso não seja nem necessário nem possível... É necessário acordá-lo. E aí aprenderemos que educadores não se extinguiram como tropeiros e caixeiros. Porque, talvez, nem tropeiros nem caixeiros tenham desaparecido, mas permaneçam como memórias de um passado que está mais próximo do nosso futuro que o ontem.


Basta que os chamemos do seu sono, por um ato de amor e coragem. E talvez, acordados, repetirão o milagre da instauração de novos mundos.


ALVES, Rubem. Sobre Jequitibás e Eucaliptos. in: Conversas com quem gosta de ensinar.