quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Viajar é preciso


Costumo dizer que conhecendo outros lugares conseguimos crescer como pessoas, como seres humanos. A cada oportunidade, regressamos diferentes. Deixamos um pouco de nós por onde andamos, trazemos muito do que descobrimos. Amadurecemos.

Do deleite dos olhos mirando novos horizontes, passando pelas pessoas que o acaso (ou não) faz cruzarem o nosso caminho, o saldo acumulado na bagagem é imensurável.

Temos dito aos nossos filhos que não esperem de nós nenhum tipo de herança financeira. Tudo que precisava e podia, foi feito. O que tem hoje ficará. Nada mais. O dinheiro do núcleo familiar será regiamente consumido em prazeres. Entre eles, viajar. Há muitos lugares espalhados pelo mundo em que ainda pretendemos colocar os nossos pés. E os nossos olhos.

Viajamos pouco, especialmente a lugares mais distantes, num tempo em que talvez a idade fosse mais apropriada. O dinheiro era parco, o trabalho era muito. E quando o dinheiro dava, não havia tempo suficiente. Férias, abonos, folgas, tudo tinha de ser negociado.

Filhos criados, demanda financeira menor, relação com o trabalho repensada. Este é o cenário que nos levou a antecipar um passeio já programado ao Vietnan e Japão, e transformar pouco mais de uma semana em dois meses de viagem.

Reencontramos amigos antigos e fizemos novos amigos. Tudo perfeito. Tão perfeito que já começamos a pensar em um novo período sabático.

E que a vida nos permita!

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Pescaria no Pantanal


Quase dez anos passados e eu, finalmente, tive o prazer de retornar às pescarias com os amigos da Mesa Hum (Belo Horizonte). E de quebra, ainda consegui arrastar meu irmão Atílio, que anda mais ranhetinha do que o Urtigão.

Para quem faz parte da Mesa Hum ou já teve a oportunidade de estar junto, é fácil entender porque é tão bom. Para os demais, impossível explicar.

Desta vez, ficamos num barco hotel que partiu da cidade de Corumbá, Mato Grosso, em pleno Pantanal. Pantanal e Mesa Hum, uma combinação perfeita. Foram 10 dias de intenso convívio, confinados que ficamos, primeiro no ônibus que nos levou até lá e depois no barco.

Disse aqui mesmo num post recente sobre uma cavalgada e repito agora: rimos muito, conversamos muito, conhecemos pessoas novas e aprendemos mais sobre as pessoas já conhecidas.

Impagável!

Isso porque, além das pessoas, tínhamos sob olhar atento, as maravilhas do Pantanal. Uma surpresa a cada instante. Aves de todo tipo, cobras, jacarés, capivaras, ariranhas e até uma onça atravessando o rio. A beleza do nascer e do pôr do sol, a magia dos alagados, o povo ribeirinho em suas palafitas... A vida na mais natural expressão.








São momentos assim que reforçam a importância dos amigos e da natureza em nossas vidas. Não dá pra viver sem.

Ah, e ainda pescamos e bebemos... Mas só um pouquinho!


terça-feira, 6 de setembro de 2011

Ainda sobre carros


Montadoras dão desconto de até 30% para locadoras



       Fica a pergunta: por que não dão esse desconto para o consumidor?
As concessionárias estão preocupadas com as vendas diretas, feitas da montadora para as locadoras de veículos. Os carros são vendidos para as locadoras com desconto de até 30% e depois são vendidos no varejo numa condição, evidentemente, muito mais vantajosa do que a da concessionária.
Existe um prazo legal mínimo de permanência do carro na locadora, de doze meses, mas nem sempre o período é respeitado: o carro é vendido antes.
Sérgio Reze, presidente da Fenabrave, que reúne dos concessionários de todo o Brasil, disse ao repórter Pedro Kutney, do Automotive Business, que essa prática está prejudicando as concessionárias, que, segundo ele, estão perdendo a rentabilidade.
Segundo o dirigente, além de comprarem o carro com desconto de até 35%, as locadoras não recolhem impostos comerciais sobre o valor da nota fiscal. Como são consideradas prestadoras de serviço, não recolhem ICMS.
Sérgio Reze questiona: "Se as montadoras podem dar descontos tão grandes às locadoras, por que elas não vendem mais barato para a concessionária, que poderia repassar o desconto para o cliente?"
Fonte: UOL - Joel Leite 

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Rodeio, tourada, UFC...



O homem tem lugar de destaque na natureza pela sua capacidade de pensar. Não fosse ele, a natureza estaria hoje em sua forma mais primitiva. Afinal, somos nós que temos o dom de transformar tudo, além, claro, do que podemos chamar de fenômenos naturais.

Infelizmente, desse “bicho homem” podemos esperar tudo. Somos os únicos que matamos o semelhante sem nenhum motivo plausível. Tiramos a vida de outro ser humano por motivos fúteis – se é que existe motivo que justifique tamanha insanidade.


Mas tirar a vida do próprio semelhante não pode ser assim tão surpreendente, considerando que no dia-a-dia o homem já comete tantas atrocidades contra o reino animal. Logo, dá pra imaginar tratar-se apenas e(in)volução comportamental.

Qual a diferença entre o sacrifício do touro numa arena, a submissão de animais em uma festa de rodeio, a criação domiciliar de cachorros como o pit bull, ou mesmo uma luta de UFC?


Será mesmo que podemos chamar tudo isso de esporte (exceto a criação de pit bull, fora dessa denominação)?


Sabemos antecipadamente dos riscos. Submetemo-nos - e a outros, a sacrifícios extremos, pagando muitas vezes com a própria vida. Em nome do quê? Que sentido faz isso?


Pior, transformamos atitudes assim em espetáculo. E as arenas ficam abarrotadas de seres humanos, numa torcida frenética. E torcem para quem?

Será que vale mesmo a pena?

Eu estou, supostamente, acima da metade do meu tempo destinado à vida. E não tenho a menor dúvida de que morrerei sem encontrar respostas.

Respeito as preferências. Como diria Caetano Veloso, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é.

Mas me permito o direito de discordar e de questionar.

sábado, 27 de agosto de 2011

Vidas Secas - O depoimento de Severina



Eu nunca estudei, nunca tive amiga, nunca arrumei um namorado na vida, nunca saí para ir a uma festa. Até os 38 anos, vivi assim, e foi assim até quando me desliguei do meu pai, no dia em que ele foi morto.

Meu pai não deixava eu e minhas irmãs fazermos nada. Toda a minha vida eu sofri. Comecei a trabalhar na roça ainda menina, com seis anos, arrancando mato.

Aos nove, fui com meu pai para o roçado. No caminho, ele me levou para o mato, amarrou minha boca com a camisa, me jogou de cabeça e tentou ser dono de mim. Eu dei uma pezada no nariz dele, e ele puxou uma faca para me sangrar.

A faca pegou no meu pescoço e no joelho. Depois, ele tentou de novo, mas não conseguiu ser dono de mim.

Em casa, contei para minha mãe e ela me deu uma pisa. Fiquei sem almoço.
À noite, minha mãe foi me buscar e me levou para ele. Me botou de joelhos na cama, tampou minha boca com o lençol e pegou nas minhas pernas para ele pular em cima. Eu dei um grito e depois não vi mais nada.

No outro dia, fui andar e não pude. Falei: "Mãe, isso é um pecado, é horrível". E ela: "Não é pecado. Filha tem que ser mulher do pai."

A partir daquele dia, três dias por semana, ele ia abusando de mim. Com 14 anos, eu engravidei. 

Tive o filho, e ele morreu. Eu tive 12 filhos com meu pai. Sete morreram. Seis foram feitos na cama da minha mãe. Dormíamos eu, pai e mãe na mesma cama.

Um dia, uma irmã minha disse que estava interessada em um namorado. O pai quis pegar ela, disse que já tinha um touro em casa, e que não era para ninguém andar atrás de macho lá fora. Eu mandei minha mãe correr com minha irmã, e ele correu com a faca atrás. Depois disso, minha mãe não ficou mais com ele. Foram todos embora para Caruaru, para a casa do meu avô. Ela e as minhas oito irmãs.

Só ficamos eu e meu pai na casa. Eu tinha 21 anos, e ele sempre batia em mim. Tentei me matar várias vezes, botei até corda no pescoço.

Os filhos nasciam e morriam. Os que vingavam foram se criando. Minha filha estava com 11 anos quando ele quis ser dono dela. Falou assim: "Nenê está engrossando perninha? Tá saindo peitinho, enchendo a melancia? Tá bom de experimentar, que é para ir se acostumando." E tacou a mão nela.

Eu falei: "Seu cabra da peste, está escrito na minha testa que eu sou Maria-besta? Eu sou filha de Maria, mas besta eu não sou." E ele: "Rapariga safada, Maria era mulher para todo acordo. E tu, não tem acordo?"

Nessa hora, eu disse para ele: "Se você ameaçar a minha filha, você morre. Minha mãe aceitou, mas eu não." Meu pai me bateu três dias seguidos, deu um murro no meu olho que ficou roxo.

Na segunda, ele amolou uma faca e foi vender fubá [farinha de milho]. Antes, disse: "Rapariga safada, quando chegar, se você não fizer o acordo, vai ver o começo e não o fim." Eu respondi: "Ô pai tarado da peste, se você ameaçar a minha filha, você morre." Ele foi para a feira e eu, para a casa da minha tia. Lá, mostrei meu corpo lapeado, o olho roxo, o ouvido estourado.

Meu pai tinha amolado uma faca de 12 polegadas na segunda-feira à noite e me mataria na terça se eu não fizesse o acordo. Foi quando paguei para matarem ele.

Peguei um dinheiro que tinha guardado, fui para Caruaru e, na casa do Edilson, paguei R$ 800 na hora.

Quando o pai chegou, o Edilson veio acompanhando. Foi quando acabou a vida dele. O rapaz arrumou um amigo e fez o homicídio. A faca que ele havia comprado, interessado na minha vida, ele morreu com ela.

A minha filha, a filha dele, eu salvei. Quem é pai, quem é mãe, dói no coração. Levar a sua filha para a cama, abrir os quartos dela, como a minha mãe fez, e o pai ir para cima da filha? Eu, como passei por isso, jamais iria aceitar.

Antes disso, eu ainda procurei os meus direitos, mas perdi. Há uns 15 anos, fui na delegacia, mas ouvi o delegado falar para eu ir embora e morar com o velhinho (o pai), que era uma boa pessoa.

O homicídio foi no dia 15 de novembro de 2005. No cemitério, já tinha um carro de polícia me esperando. Na cadeia, passei um ano e seis dias. Fiquei no castigo, depois fui para uma cela.

Depois do julgamento, fiquei feliz. Antes, pensava na liberdade e na cadeia ao mesmo tempo. Agora, quero viver e ficar com meus filhos. Quero que minha história sirva de exemplo, para que os pais e as mães procurem respeitar os seus filhos, ser amigos deles. A gente é pobre, mas pobreza não é desonra. Desonra é o cara fazer do próprio filho um urubu.

A partir de hoje eu quero é viver, porque tenho muita coisa para aproveitar pela frente. Tenho a liberdade e os meus filhos comigo.

A agricultora Severina Maria da Silva, 44, foi absolvida pela Justiça de Pernambuco em 25.08.2011. 

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Touro 2 x 0 Toureiro


Tempos atrás postei aqui um texto sobre o mesmo tema (A vingança do touro).

A cena agora, embora aparentemente menos traumática, aumenta ainda mais a minha torcida a favor do touro. 

Não sou contra o espetáculo chamado de tourada. Desde que, claro, não maltratem o animal. Mas, infelizmente, não é dessa forma que a coisa acontece.

Continuo não entendendo porque espetam aquelas espadas no lombo do pobre animal até a sua morte. Porque não ficar apenas nos dribles do toureiro com o pano vermelho?

Enquanto isso não acontecer, continuarei na torcida.

Sou touro desde pequenininho!

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Cavalgada na Serra do Brigadeiro

No final de semana passado tive o prazer de participar de uma cavalgada com amigos mineiros na Serra do Brigadeiro, entre os municípios de Araponga e Pedra Bonita. Impagável!


Organizada pelo Zé Antonio, da Aldeia da Vida, o grupo contou com 27 cavaleiros e teve como mascote o João Pedro, de 8 anos. Figuraça! Aguentou firme dois dias na sela de um pampa, sem reclamar. Bem, quase sem reclamar. A certa altura ele se queixou de algumas dores, especialmente nas mãos (segurando as rédeas) alegando que o cavalo era meio “queixo duro”.


Tudo perfeito. Desde a organização, passando pelo grupo, e chegando à paisagem. Isso sem falar do café da manhã com pão com linguiça, queijo mineiro na chapa e ovo frito.



Voltei pra casa com dores por todo o corpo, pernas assadas, bolhas nos calcanhares – causadas por um par de botas novas – e com pelo menos uns 10 pontos a mais no colesterol. Mas... Feliz... Muito feliz!


A Serra do Brigadeiro abriga o Parque Estadual do mesmo nome criado em 1996, abrangendo os municípios de Araponga, Divino, Ervália, Fervedouro, Miradouro, Muriaé, Pedra Bonita, Rosário de Limeira e Sericita na Zona da Mata de Minas Gerais. A região é um santuário ecológico da Mata Atlântica. Com fauna e flora riquíssimas, esbanja beleza desde sua base até os pontos mais elevados – Pico do Soares e Pico do Boné.


Entre ida e volta, aproximadamente 70 kms de percurso em estradas de terra e trilhas – estas já dentro do parque. Poeira, pedras, descidas e subidas. Riachos cristalinos, pinguelas de madeira, cachoeiras. Um cenário inimaginável.


Eventos assim nos permitem a perfeita interação com a natureza. Passamos a valorizar ainda mais as belezas que nos cercam.

Rimos muito, conversamos muito, conhecemos pessoas novas e aprendemos mais sobre as pessoas já conhecidas.

Mesmo para aqueles habituados a essas aventuras, certamente a vida passa a ter mais sentido, mais importância a cada vez que nos entregamos a tal prazer.

Agradecimento especial ao Zé Antonio e seu time, responsáveis pela organização.  E aos amigos Ricardo e Zé Mauro, sem os quais a minha participação seria impossível – como sempre.



Como chegar

O Parque Estadual da Serra do Brigadeiro fica na Zona da Mata, no sudoeste de Minas Gerais, a 330 Km de Belo Horizonte, 230 Km de Juiz de Fora e 60 Km de Viçosa e Carangola. Horário de funcionamento: 08:00h às 17:00h. Informações: (032) 37217491.

Conheça a Aldeia da Vida: http://www.cavalgadaaldeiadavida.com.br

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Meu filho, você não merece nada!

A crença de que a felicidade é um direito tem tornado despreparada a geração mais preparada.


Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada – e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor.

Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.

Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se emburra e desiste.

Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora: viver é para os insistentes.

Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade.

É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais?

Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que “fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de dar duro para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. Bacana é o cara que não estudou, passou a noite na balada e foi aprovado no vestibular de Medicina. Este atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país.

Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do “eu mereço”.

Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais tinham lhes prometido. Expressão que logo muda para o emburramento. E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer.

A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil”? É no passar dos dias que a conta não fecha e o projeto construído sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer – este momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a se explicitar no confronto com os muros da realidade. Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão.

Me parece que é isso que tem acontecido em muitas famílias por aí: se a felicidade é um imperativo, o item principal do pacote completo que os pais supostamente teriam de garantir aos filhos para serem considerados bem sucedidos, como falar de dor, de medo e da sensação de se sentir desencaixado? Não há espaço para nada que seja da vida, que pertença aos espasmos de crescer duvidando de seu lugar no mundo, porque isso seria um reconhecimento da falência do projeto familiar construído sobre a ilusão da felicidade e da completude.

Quando o que não pode ser dito vira sintoma – já que ninguém está disposto a escutar, porque escutar significaria rever escolhas e reconhecer equívocos – o mais fácil é calar. E não por acaso se cala com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se comportam segundo o manual. Assim, a família pode tocar o cotidiano sem que ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa.

Se os filhos têm o direito de ser felizes simplesmente porque existem – e aos pais caberia garantir esse direito – que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir.

Aos filhos cabe fingir felicidade – e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar – e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele dia após dia. É pelos objetos de consumo que a novela familiar tem se desenrolado, onde os pais fazem de conta que dão o que ninguém pode dar, e os filhos simulam receber o que só eles podem buscar. E por isso logo é preciso criar uma nova demanda para manter o jogo funcionando.

O resultado disso é pais e filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E, portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de desencontros anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa.

Quando converso com esses jovens no parapeito da vida adulta, com suas imensas possibilidades e riscos tão grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores a sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande.

Seria muito bacana que os pais de hoje entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: “Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua”. Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela é: “Olha, meu dia foi difícil” ou “Estou com dúvidas, estou com medo, estou confuso” ou “Não sei o que fazer, mas estou tentando descobrir”. Porque fingir que está tudo bem e que tudo pode significa dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É tão ruim quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace o frágil equilíbrio doméstico possa ser dito.

Agora, se os pais mentiram que a felicidade é um direito e seu filho merece tudo simplesmente por existir, paciência. De nada vai adiantar choramingar ou emburrar ao descobrir que vai ter de conquistar seu espaço no mundo sem nenhuma garantia. O melhor a fazer é ter a coragem de escolher. Seja a escolha de lutar pelo seu desejo – ou para descobri-lo –, seja a de abrir mão dele. E não culpar ninguém porque eventualmente não deu certo, porque com certeza vai dar errado muitas vezes. Ou transferir para o outro a responsabilidade pela sua desistência.

Crescer é compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado porque um dia ela acaba
.

ELIANE BRUM, jornalista, escritora e documentarista.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

O que a mídia não falou sobre Paulo Renato



Morreu de infarto, no último dia 25, aos 65 anos, Paulo Renato Souza, fundador do PSDB. Paulo Renato foi Ministro da Educação no governo FHC, Deputado Federal pelo PSDB paulista, Secretário da Educação de São Paulo no governo José Serra e lobista de grupos privados. Exerceu outras atividades menos noticiadas pela mídia brasileira.

Nas hagiografias de Paulo Renato publicadas nos últimos dois dias, faltaram alguns detalhes. A Folha de São Paulo escalou Eliane Cantanhêde para dizer que Paulo Renato deixou um legado e tanto como Ministro da Educação.

Esqueceu-se de dizer que esse legado incluiu o maior êxodo de pesquisadores da história do Brasil, nem uma única universidade ou escola técnica federal criada, nem um único aumento salarial para professores, congelamento do valor e redução do número de bolsas de pesquisa, uma onda de massivas aposentadorias precoces (causadas por medidas que retiravam direitos adquiridos dos docentes), a proliferação do professor substituto com salário de R$400,00 e um sucateamento que impôs às universidades federais penúria que lhes impedia até mesmo de pagar contas de luz. No blog de Cynthia Semíramis, é possível ler depoimentos às dezenas sobre o que era a universidade brasileira nos anos 90.

Ainda na Folha de São Paulo, Gilberto Dimenstein lamentou que o tucanato não tenha seguido a sugestão de Paulo Renato Souza de lançar uma campanha publicitária falando dos programas de complementação de renda. Dimenstein pareceu desconsolado com o fato de que o PSDB perdeu a chance de garantir uma marca social, atribuindo essa ausência a uma mera falha na campanha publicitária. O leitor talvez possa compreender melhor o lamento de Dimenstein ao saber que a sua Associação Cidade Escola Aprendiz recebeu de São Paulo a bagatela de três milhões, setecentos e vinte e cinco mil, duzentos e vinte e dois reais e setenta e quatro centavos, só no período 2006-2008.

Não surpreende que a Folha seja tão generosa com Paulo Renato. Gentileza gera gentileza, como dizemos na internet. A diferença é que a gentileza de Paulo Renato com o Grupo Folha foi sempre feita com dinheiro público. Numa canetada sem licitação, no dia 08 de junho de 2010, a FDE da Secretaria de Educação de São Paulo transfere para os cofres da Empresa Folha da Manhã S.A. a bagatela de R$ 2.581.280,00, referentes a assinaturas da Folha para escolas paulistas. Quatro anos antes, em 2006, a empresa Folha da Manhã havia doado a curiosa quantia nas imortais palavras do Senhor Cloaca de R$ 42.354,30 à campanha eleitoral de Paulo Renato. Foi a única doação feita pelo grupo Folha naquela eleição. Gentileza gera gentileza.

Mas que não se acuse Paulo Renato de parcialidade em favor do Grupo Folha. Os grupos Abril, Estado e Globo também receberam seus quinhões, sempre com dinheiro público. Numa única canetada do dia 28 de maio de 2010, a empresa S/A Estado de São Paulo recebeu dos cofres públicos paulistas  sempre sem licitação, claro, porque sigilo no fiofó dos outros é refresco  a módica quantia de R$ 2.568.800,00, referente a assinaturas do Estadão para escolas paulistas. No dia 11 de junho de 2010, a Editora Globo S.A. recebe sua parte no bolo, R$ 1.202.968,00, destinadas a pagar assinaturas da Revista Época.

No caso do grupo Abril, a matemática é mais complicada. São 5.200 assinaturas da Revista Veja no dia 29 de maio de 2010, totalizando a módica quantia de R$ 1.202.968,00, logo depois acrescida, no dia 02 de abril, da bagatela de R$ 3.177.400, 00, por Guias do Estudante atualidades, material de preparação para o Vestibular de qualidade, digamos, duvidosíssima. O caso de amor entre Paulo Renato e o Grupo de Civita é uma longa história. De 2004 a 2010, a Fundação para o Desenvolvimento da Educação de São Paulo transfere dos cofres públicos para a mídia pelo menos duzentos e cinquenta milhões de reais, boa parte depois da entrada de Paulo Renato na Secretaria de Educação.

Mas que não se acuse Paulo Renato de parcialidade em favor dos grandes grupos de mídia brasileiros. Ele também atuou diligentemente em favor de grupos estrangeiros, muito especialmente a Fundação Santillana, pertencente ao Grupo Prisa, dono do jornal espanhol El País. Trata-se de um jornal que, como sabemos, está disponível para leitura na internet. Isso não impediu que a Secretaria de Educação de São Paulo, sob Paulo Renato, no dia 28 de abril de 2010, transferisse mais dinheiro dos cofres públicos para o Grupo Prisa, referente a assinaturas do El País. O fato já seria curioso por si só, tratando-se de um jornal disponível gratuitamente na internet. Fica mais curioso ainda quando constatamos que o responsável pela compra, Paulo Renato, era Conselheiro Consultivo da própria Fundação Santillana! E as coincidências não param aí. Além de lobista da Santillana, Paulo Renato trabalhou, através de seu escritório PRS Consultores  cujo site misteriosamente desapareceu da internet depois de revelações dos blogs NaMaria News eCloaca News, prestando serviços ao Grupo Santillana!, inclusive com curiosíssima vizinhança, no mesmo prédio. De fato, gentileza gera gentileza. E coincidência gera coincidência: ao mesmo tempo em que El País denunciava, junto com grupos de mídia brasileiros, supostos erros ou doutrinações nos livros didáticos da sua concorrente Geração Editorial, uma das poucas ainda em mãos do capital nacional, Paulo Renato repetia as denúncias no Congresso. O fato de a Santillana controlar a Editora Moderna e Paulo Renato ser consultor pago pelo Grupo Santillana deve ter sido, evidentemente, uma mera coincidência.

Mas que não se acuse Paulo Renato de parcialidade em favor dos grupos de mídia, brasileiros e estrangeiros. O ex-Ministro também teve destacada atuação na defesa dos interesses de cursinhos pré-vestibular, conglomerados editoriais e empresas de software. Como noticiado na época pelo Cloaca News, no mesmo dia em que a FDE e a Secretaria de Educação de São Paulo dispensaram de licitação uma compra de mais R$10 milhões da InfoEducacional, mais uma inexigibilidade licitatória era anunciada, para comprar o mesmíssimo produto!, no caso o software Tell me more pro, do Colégio Bandeirantes, cujas doações em dinheiro irrigaram, em 2006, a campanha para Deputado Federal do candidato Paulo Renato! Tudo isso para não falar, claro, do parque temático de $100 milhões de reais da Microsoft em São Paulo, feito sob os auspícios de Paulo Renato, ou a compra sem licitação, pelo Ministério da Educação de Paulo Renato, em 2001, de 233.000 cópias do sistema operacional Windows. Um dos advogados da Microsoft no Brasil era Marco Antonio Costa Souza, irmão de Paulo Renato! A tramóia foi tão cabeluda que até a Abril noticiou.

Pelo menos uma vez, portanto, a Revista Fórum terá que concordar com Eliane Cantanhêde. Foi um legado e tanto. Que o digam os grupos Folha, Abril, Santillana, Globo, Estado e Microsoft.

Fonte: Idelber Avelar, no sítio da Revista Fórum


Morreu Paulo Renato:
Morreu sem retrucar seu título de “Ministro-Rei da Privatização da Educação”.
• Morreu sem explicar as milhares de assinaturas de jornais e revistas do PIG (só as do PIG) para as escolas de São Paulo.
• Morreu sem explicar a compra sem licitação das mais de 200 mil cópias do Windows da Microsoft à qual seu irmão era advogado.
• Morreu sem explicar a “Lei de Mensalidades”, uma medida para salvar as faculdades privadas que estavam com alto índice de inadimplência.
• Morreu sem explicar sua insistente defesa da privatização da Petrobrás.
• Morreu sem explicar a responsabilidade na distribuição de centenas de milhares de livros de conteúdo adulto para crianças em fase de alfabetização ou que orientavam alunos do ensino médio a acessar sites pornográficos.
• Morreu sem explicar suas ligações com o di Gênio do Objetivo onde seu outro irmão era o chefe do setor de audiovisual .
• Morreu sem explicar o sucateamento das escolas técnicas na gestão FHC, da qual foi ministro.
• Morreu sem explicar suas relações com os hermanos de España , o Grupo Santillana (editora Moderna).
• Morreu sem explicar os 8 anos sem reajustes salariais dos professores de universidades federais.
• Morreu sem explicar as milhares de universidades privadas que se expandiram com critérios para lá de discutíveis.
• Morreu sem explicar os contratos suspeitíssimos com a Fundação Carlos Vanzolini e o grupo Positivo, responsáveis pela elaboração e impressão de milhares de atlas com m últiplos Paraguais, cartilhas para professores e alunos cheias de erros conceituais, de português e de digitação.
• Morreu sem explicar sua relação carnal com a Editora Abril e com o grupo COC.
• Morreu sem explicar a mágica de um Conselho Estadual de Educação, dominado por representantes de escolas privadas e de empresas financiadoras das campanhas eleitorais do PSDB.
• Morreu sem explicar como atuava sua empresa de consultoria – a PR Consultoria – que se fingia de morta, mas seu idealizador, Paulo Renato, e seus parceiros estavam vivos até demais.
• Morreu sem explicar as razões do desempenho pífio dos alunos do estado mais rico do país nos exames oficiais de avaliação nacional.
• Morreu sem explicar porque, de repente, mandou cancelar sua “jenial” proposta de dois professores por sala de aula.
Fonte: Texto que circulou na internet sem menção ao autor e fonte

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Os custos, os preços e os bobos


Para negociar competitividade, também é preciso discutir as altas margens praticadas no Brasil

Muito se fala a respeito da competitividade da indústria brasileira (ou a falta dela). Depois de perderem a camuflagem que o câmbio favorável garantiu até meados dos anos 2000, com o dólar cotado acima dos R$ 2, os problemas afloraram, com consequente queda de exportações e aumento de importações. A desvantagem cambial atingiu em cheio o setor automotivo no Brasil, que reclama, fazendo aparecer o discurso da competitividade. Mas, como de costume, os empresários colocam todas as culpas de suas mazelas em fatores externos aos muros das fábricas – custos altos demais para produzir no País, logística capenga, impostos que comem um terço do preço de um carro, os maiores juros do mundo. 

Tudo isso é verdade. Contudo, há outras verdades não ditas. Se os custos de produção de veículos aqui são até 60% mais altos do que na China, como revela um estudo de competitividade feito pela PricewaterhouseCoopers (PwC) por encomenda da Anfavea, o que dizer das margens praticadas no Brasil de 40% a quase 100% embutidas nos preços de fábrica dos veículos? Isso é competitivo? E os produtos feitos aqui inadequados para exportação? Como vendê-los? O custo da mão de obra também não fica atrás: em dólares, segundo o mesmo levantamento da PwC, é na média 342% mais alto do que na Índia e 305% maior do que na China. Porém, esqueceu-se de informar que o valor da hora trabalhada por um brasileiro em uma montadora é 87% menor do que nos Estados Unidos e na Europa. Para sermos competitivos, precisamos ter salários como os dos indianos e chineses? Se fosse assim, haveria mercado de consumo suficiente para sustentar, por exemplo, os preços cobrados pelas fábricas?

No fim de junho a associação dos fabricantes de veículos, a Anfavea, divulgou à imprensa um resumo do estudo de competitividade que encomendou à consultoria PwC e entregou ao governo. Pois lá estão todas as desvantagens de se produzir carros no Brasil, incluindo materiais e mão de obra, que fazem o País parecer o pior lugar do mundo para se construir uma indústria. Tudo é ruim, tudo é mais caro. Seria essa a explicação para se fabricar aqui os piores carros mais caros do mundo, com preços muito altos em comparação a outros mercados e pelo conteúdo inferior que oferecem.

Margens estratosféricas

É verdade que o custo brasileiro não está competitivo no exterior. De acordo com dados do Aliceweb, sistema do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior que armazena preços de importações e exportações, o valor médio de embarque (FOB) de um automóvel made in Brazilcom motor acima de 1,5 litro, exportado para países da América do Sul no período de janeiro a maio deste ano, foi de US$ 10,5 mil. A título de comparação, um chinês Chery Face 1.3 desembarca no Brasil com preço FOB (sem incluir frete, seguro e impostos) de US$ 7,1 mil, muito próximo do conterrâneo “completão” JAC J3 Turin sedã, que chega ao porto por US$ 7,7 mil. A diferença, como se vê, é grande. Contudo, para competir com a China, o Brasil teria de decretar uma ditadura, controlar o câmbio e pagar mal seus trabalhadores. Melhor esquecer isso.

O problema é quando esse carro nacional exportado compete com ele mesmo no mercado nacional. Partindo do preço FOB médio de exportação de um carro 1.6, de US$ 10,5 mil, após aplicar a carga tributária brasileira, a maior do mundo sobre automóveis, esse mesmo veículo custaria R$ 24,4 mil, considerando que o exportador já colocou seu lucro no valor. Pois no Brasil não se acha um modelo 1.6 por menos de R$ 33 mil (equivalente a um Volkswagen Gol “peladão”), valor 36% mais caro. A margem, portanto, ainda é bastante elástica para competir no mercado interno.

O que não se ouve dos dirigentes da indústria automotiva nacional, em nenhum momento, é a admissão de que os produtos feitos aqui não servem para ser exportados não só por causa do custo, mas também porque foram pensados e projetados para oferecer o menos possível pelo maior preço possível. Poucos mercados no mundo compram veículos assim, o que significa uma dificuldade de exportação maior do que qualquer desvantagem cambial. E até os brasileiros querem coisa melhor: prova disso é crescente aumento no País da preferência por modelos mais bem equipados e com motorização superior a 1 litro, que pela primeira vez em mais de uma década superaram as vendas dos chamados carros populares, com mais de 52% dos emplacamentos de novos.

Muitos desses carros (20%) são importados e alguns deles conseguem chegar ao País custando menos do que os nacionais, mesmo pagando imposto de importação de 35%, como é o caso dos chineses. O estarrecedor é verificar como os importadores também praticam margens estratosféricas no Brasil. Para ficar com os mesmos exemplos, o preço de nacionalização do JAC J3 Turin (após todos os impostos II, IPI, ICMS e PIS/Cofins) fica em R$ 19,3 mil para o importador, mas ele é vendido por quase R$ 33 mil, com margem de 106%. No caso do Chery Face esse porcentual é de 85%: o modelo salta de R$ 17,8 mil na importadora para R$ 33 mil nas lojas. O mesmo acontece com o carro mais barato à venda no Brasil, o Chery QQ, que chega com preço FOB de US$ 4,4 mil, é nacionalizado por R$ 12,4 mil e depois é vendido por R$ 23 mil, 86% mais.

Há também interessantes exemplos de montadoras importadoras. A Ford traz do México, sem pagar imposto de importação, o New Fiesta, com motor 1.6 feito no Brasil, pelo preço FOB de US$ 11,4 mil, nacionaliza o modelo por R$ 27 mil e cobra R$ 51,4 mil do consumidor (margem de 90%). A Fiat monta o Siena na vizinha Argentina, com motor e muitos componentes brasileiros, traz a versão Essence por US$ 12,9 mil (FOB), que após aplicação de impostos ficaria em R$ 29,7 mil, mas vende por R$ 41,3 mil (39% de margem).

E qual o segredo para vender o carro relativamente mais caro do mundo? O crédito, que mesmo com os juros mais altos do mundo, acomoda em suaves prestações que cabem no bolso todas as assimetrias de custos, preços e bobos do mercado brasileiro.

Custo x Lucro

Por mais que nessas margens de venda estejam incluídas despesas comerciais, publicidade e marketing, lucro dos concessionários (dizem que não passa de 5% e pode ser zero), as diferenças parecem grandes demais. Cledorvino Belini, presidente da Anfavea, ao apresentar o estudo da PwC deu uma pista do porquê: “Os custos de remuneração de capital no Brasil são os maiores do mundo”, disse. Ou seja, para compensar os investimentos feitos aqui e ganhar mais do que em aplicações financeiras, a rentabilidade de um negócio precisa ser também das mais altas do mundo.

A corporação que Belini dirige no Brasil, a Fiat Automóveis, sabe bem disso. Em 2010 a Fiasa reportou lucro líquido de R$ 1,6 bilhão, o que significa margem de 7,7% sobre o faturamento de R$ 20,7 bilhões. No mundo todo, montadoras ficam muito contentes quanto obtêm margem de 5%. O Grupo Fiat, por exemplo, contabilizou 3,9% no ano passado. (Das outras fabricantes instaladas no País nada se sabe a respeito, pois os lucros apurados no País são tratados como informações de caixa-preta e ficam escondidos no meio dos balanços globais – a Fiat é a única que publica balanço separado no Brasil).

Portanto, se os custos são altos no País, os lucros também são. Uma mostra disso são as remessas de dividendos de fabricantes de veículos às suas matrizes. Segundo dados do Banco Central, de janeiro a maio deste ano foram remetidos US$ 2,3 bilhões, o dobro do que foi enviado no mesmo período de 2010. Com esse valor, a indústria automobilística é o setor que mais pagou lucros aos controladores estrangeiros neste ano.

Lucrar não é desonesto, mas as montadoras tratam disso como se fosse, pois escondem esse número aqui o quanto podem. Não seria por outro motivo que, apesar dos custos não competitivos, o Brasil continua bastante interessante, com um horizonte de mercado em mais três ou quatro anos de 6 milhões de veículos vendidos por ano com uma grande margem embutida em cada um deles. Tanto que mais de uma dezena de montadoras têm planos de ampliar a produção e construir novas fábricas no País – como a Fiat em Suape, a Chery em Jacareí, a Hyundai em Piracicaba e a Toyota em Sorocaba, só para citar os maiores investimentos.

Antes de reclamar do custo Brasil, seria interessante aumentar a transparência, colocar todas as verdades sobre a mesa, como a que diz respeito ao custo do trabalho no Brasil, de US$ 7,70 por hora, contra US$ 1,74 na Índia segundo a Anfavea, mas de no mínimo US$ 15 nos Estados Unidos (o salário mais baixo atualmente em uma montadora), podendo chegar a US$ 60 na General Motors e US$ 55 na Toyota. Essa não é uma vantagem competitiva e tanto? O que queremos ser passa necessariamente com o que queremos nos comparar. Seremos um país de baixo custo e, por consequência, de baixo consumo? É preciso discutir honestamente o quanto cada parte (indústria e governo) pode ceder, para que ninguém tenha que se passar por bobo na hora de negociar custos e preços. Assim o País pode evoluir para os melhores exemplos, não os piores.

Fonte: OBSERVATÓRIO AUTOMOTIVO - PEDRO KUTNEY