domingo, 9 de janeiro de 2011

A vida no ritmo dos passos


Gosto de andar a pé.  Ainda que percorrendo caminhos repetidos, tenho a oportunidade de observar melhor o cotidiano, as pessoas, e até as cores que se alteram conforme a luz do dia.

A rua é a mesma.  As casas e prédios, idem.  Mas a sua dinâmica é diferente a cada nascer do sol.  A rua tem vida própria.

O bar da esquina tem a mesma configuração de sempre, mas quando passo por ele é possível observar algo novo.  Até aquele executivo de terno escuro, que habitualmente toma a sua cerveja, na mesma cadeira da mesma mesa, é diferente.  Observo rapidamente o seu semblante e vejo uma expressão nova a cada vez.  Sei que um dia está mais feliz, outro nem tanto. Por vezes, um ar de preocupação.

A banca de frutas há anos montada sob a marquise do prédio, na mesma esquina, pelo mesmo vendedor.  Nada mudou nesse tempo, sequer o plástico azul que a protege da chuva com vento.  Mas é fácil notar que a banana está mais madura, que uma fruta de época é vendida a preços menores ou em quantidade maior.

A senhora de idade já avançada, pequena, magrinha, lenço na cabeça, olhos pesadamente pintados, e sobrancelhas onde a ausência dos pêlos é compensada por um lápis preto.  Exatamente igual.  Todos os dias.  Mas me desperta reações diferentes.  Teria sido ela uma artista?  Atriz ou cantora?  Por vezes penso que é uma mulher só, sem filhos ou companheiro, alguém que pudesse dizer a ela que não há necessidade de se pintar assim tão exageradamente.  Que a beleza roubada pelo tempo não tira dela o prazer de estar viva, de ter envelhecido.

O vizinho de meia idade que se veste invariavelmente em tons cáqui, bermuda e camiseta, botinhas em couro camurça e uma bolsa a tira-colo.  Vê-lo, é como mirar a mesma foto.  Mas um dia me cumprimenta, outro não.  Um dia me para pra dizer que me convidará para fazer uma palestra no seu curso de História.  No outro passa direto por mim, como se não me conhecesse.

Os meninos e meninas do colégio.  Cresceram.  Viraram adolescentes.  Usam celulares.  Roubam um beijo apoiados no carro estacionado.  Ainda ontem eu os via sendo levados pelas mãos da mãe até o portão de entrada.  Hoje passaram do banco de trás para o da frente e descem com seus casacos amarrados na cintura.

A vida pode ser diferente quando observada no ritmo dos passos.  Experimente.  Com um olhar atento você se deliciará com o novo, identificado na aparente mesmice de sempre.