sexta-feira, 15 de julho de 2011

Meu filho, você não merece nada!

A crença de que a felicidade é um direito tem tornado despreparada a geração mais preparada.


Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada – e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor.

Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.

Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se emburra e desiste.

Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora: viver é para os insistentes.

Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade.

É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais?

Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que “fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de dar duro para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. Bacana é o cara que não estudou, passou a noite na balada e foi aprovado no vestibular de Medicina. Este atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país.

Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do “eu mereço”.

Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais tinham lhes prometido. Expressão que logo muda para o emburramento. E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer.

A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil”? É no passar dos dias que a conta não fecha e o projeto construído sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer – este momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a se explicitar no confronto com os muros da realidade. Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão.

Me parece que é isso que tem acontecido em muitas famílias por aí: se a felicidade é um imperativo, o item principal do pacote completo que os pais supostamente teriam de garantir aos filhos para serem considerados bem sucedidos, como falar de dor, de medo e da sensação de se sentir desencaixado? Não há espaço para nada que seja da vida, que pertença aos espasmos de crescer duvidando de seu lugar no mundo, porque isso seria um reconhecimento da falência do projeto familiar construído sobre a ilusão da felicidade e da completude.

Quando o que não pode ser dito vira sintoma – já que ninguém está disposto a escutar, porque escutar significaria rever escolhas e reconhecer equívocos – o mais fácil é calar. E não por acaso se cala com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se comportam segundo o manual. Assim, a família pode tocar o cotidiano sem que ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa.

Se os filhos têm o direito de ser felizes simplesmente porque existem – e aos pais caberia garantir esse direito – que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir.

Aos filhos cabe fingir felicidade – e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar – e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele dia após dia. É pelos objetos de consumo que a novela familiar tem se desenrolado, onde os pais fazem de conta que dão o que ninguém pode dar, e os filhos simulam receber o que só eles podem buscar. E por isso logo é preciso criar uma nova demanda para manter o jogo funcionando.

O resultado disso é pais e filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E, portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de desencontros anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa.

Quando converso com esses jovens no parapeito da vida adulta, com suas imensas possibilidades e riscos tão grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores a sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande.

Seria muito bacana que os pais de hoje entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: “Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua”. Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela é: “Olha, meu dia foi difícil” ou “Estou com dúvidas, estou com medo, estou confuso” ou “Não sei o que fazer, mas estou tentando descobrir”. Porque fingir que está tudo bem e que tudo pode significa dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É tão ruim quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace o frágil equilíbrio doméstico possa ser dito.

Agora, se os pais mentiram que a felicidade é um direito e seu filho merece tudo simplesmente por existir, paciência. De nada vai adiantar choramingar ou emburrar ao descobrir que vai ter de conquistar seu espaço no mundo sem nenhuma garantia. O melhor a fazer é ter a coragem de escolher. Seja a escolha de lutar pelo seu desejo – ou para descobri-lo –, seja a de abrir mão dele. E não culpar ninguém porque eventualmente não deu certo, porque com certeza vai dar errado muitas vezes. Ou transferir para o outro a responsabilidade pela sua desistência.

Crescer é compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado porque um dia ela acaba
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ELIANE BRUM, jornalista, escritora e documentarista.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

O que a mídia não falou sobre Paulo Renato



Morreu de infarto, no último dia 25, aos 65 anos, Paulo Renato Souza, fundador do PSDB. Paulo Renato foi Ministro da Educação no governo FHC, Deputado Federal pelo PSDB paulista, Secretário da Educação de São Paulo no governo José Serra e lobista de grupos privados. Exerceu outras atividades menos noticiadas pela mídia brasileira.

Nas hagiografias de Paulo Renato publicadas nos últimos dois dias, faltaram alguns detalhes. A Folha de São Paulo escalou Eliane Cantanhêde para dizer que Paulo Renato deixou um legado e tanto como Ministro da Educação.

Esqueceu-se de dizer que esse legado incluiu o maior êxodo de pesquisadores da história do Brasil, nem uma única universidade ou escola técnica federal criada, nem um único aumento salarial para professores, congelamento do valor e redução do número de bolsas de pesquisa, uma onda de massivas aposentadorias precoces (causadas por medidas que retiravam direitos adquiridos dos docentes), a proliferação do professor substituto com salário de R$400,00 e um sucateamento que impôs às universidades federais penúria que lhes impedia até mesmo de pagar contas de luz. No blog de Cynthia Semíramis, é possível ler depoimentos às dezenas sobre o que era a universidade brasileira nos anos 90.

Ainda na Folha de São Paulo, Gilberto Dimenstein lamentou que o tucanato não tenha seguido a sugestão de Paulo Renato Souza de lançar uma campanha publicitária falando dos programas de complementação de renda. Dimenstein pareceu desconsolado com o fato de que o PSDB perdeu a chance de garantir uma marca social, atribuindo essa ausência a uma mera falha na campanha publicitária. O leitor talvez possa compreender melhor o lamento de Dimenstein ao saber que a sua Associação Cidade Escola Aprendiz recebeu de São Paulo a bagatela de três milhões, setecentos e vinte e cinco mil, duzentos e vinte e dois reais e setenta e quatro centavos, só no período 2006-2008.

Não surpreende que a Folha seja tão generosa com Paulo Renato. Gentileza gera gentileza, como dizemos na internet. A diferença é que a gentileza de Paulo Renato com o Grupo Folha foi sempre feita com dinheiro público. Numa canetada sem licitação, no dia 08 de junho de 2010, a FDE da Secretaria de Educação de São Paulo transfere para os cofres da Empresa Folha da Manhã S.A. a bagatela de R$ 2.581.280,00, referentes a assinaturas da Folha para escolas paulistas. Quatro anos antes, em 2006, a empresa Folha da Manhã havia doado a curiosa quantia nas imortais palavras do Senhor Cloaca de R$ 42.354,30 à campanha eleitoral de Paulo Renato. Foi a única doação feita pelo grupo Folha naquela eleição. Gentileza gera gentileza.

Mas que não se acuse Paulo Renato de parcialidade em favor do Grupo Folha. Os grupos Abril, Estado e Globo também receberam seus quinhões, sempre com dinheiro público. Numa única canetada do dia 28 de maio de 2010, a empresa S/A Estado de São Paulo recebeu dos cofres públicos paulistas  sempre sem licitação, claro, porque sigilo no fiofó dos outros é refresco  a módica quantia de R$ 2.568.800,00, referente a assinaturas do Estadão para escolas paulistas. No dia 11 de junho de 2010, a Editora Globo S.A. recebe sua parte no bolo, R$ 1.202.968,00, destinadas a pagar assinaturas da Revista Época.

No caso do grupo Abril, a matemática é mais complicada. São 5.200 assinaturas da Revista Veja no dia 29 de maio de 2010, totalizando a módica quantia de R$ 1.202.968,00, logo depois acrescida, no dia 02 de abril, da bagatela de R$ 3.177.400, 00, por Guias do Estudante atualidades, material de preparação para o Vestibular de qualidade, digamos, duvidosíssima. O caso de amor entre Paulo Renato e o Grupo de Civita é uma longa história. De 2004 a 2010, a Fundação para o Desenvolvimento da Educação de São Paulo transfere dos cofres públicos para a mídia pelo menos duzentos e cinquenta milhões de reais, boa parte depois da entrada de Paulo Renato na Secretaria de Educação.

Mas que não se acuse Paulo Renato de parcialidade em favor dos grandes grupos de mídia brasileiros. Ele também atuou diligentemente em favor de grupos estrangeiros, muito especialmente a Fundação Santillana, pertencente ao Grupo Prisa, dono do jornal espanhol El País. Trata-se de um jornal que, como sabemos, está disponível para leitura na internet. Isso não impediu que a Secretaria de Educação de São Paulo, sob Paulo Renato, no dia 28 de abril de 2010, transferisse mais dinheiro dos cofres públicos para o Grupo Prisa, referente a assinaturas do El País. O fato já seria curioso por si só, tratando-se de um jornal disponível gratuitamente na internet. Fica mais curioso ainda quando constatamos que o responsável pela compra, Paulo Renato, era Conselheiro Consultivo da própria Fundação Santillana! E as coincidências não param aí. Além de lobista da Santillana, Paulo Renato trabalhou, através de seu escritório PRS Consultores  cujo site misteriosamente desapareceu da internet depois de revelações dos blogs NaMaria News eCloaca News, prestando serviços ao Grupo Santillana!, inclusive com curiosíssima vizinhança, no mesmo prédio. De fato, gentileza gera gentileza. E coincidência gera coincidência: ao mesmo tempo em que El País denunciava, junto com grupos de mídia brasileiros, supostos erros ou doutrinações nos livros didáticos da sua concorrente Geração Editorial, uma das poucas ainda em mãos do capital nacional, Paulo Renato repetia as denúncias no Congresso. O fato de a Santillana controlar a Editora Moderna e Paulo Renato ser consultor pago pelo Grupo Santillana deve ter sido, evidentemente, uma mera coincidência.

Mas que não se acuse Paulo Renato de parcialidade em favor dos grupos de mídia, brasileiros e estrangeiros. O ex-Ministro também teve destacada atuação na defesa dos interesses de cursinhos pré-vestibular, conglomerados editoriais e empresas de software. Como noticiado na época pelo Cloaca News, no mesmo dia em que a FDE e a Secretaria de Educação de São Paulo dispensaram de licitação uma compra de mais R$10 milhões da InfoEducacional, mais uma inexigibilidade licitatória era anunciada, para comprar o mesmíssimo produto!, no caso o software Tell me more pro, do Colégio Bandeirantes, cujas doações em dinheiro irrigaram, em 2006, a campanha para Deputado Federal do candidato Paulo Renato! Tudo isso para não falar, claro, do parque temático de $100 milhões de reais da Microsoft em São Paulo, feito sob os auspícios de Paulo Renato, ou a compra sem licitação, pelo Ministério da Educação de Paulo Renato, em 2001, de 233.000 cópias do sistema operacional Windows. Um dos advogados da Microsoft no Brasil era Marco Antonio Costa Souza, irmão de Paulo Renato! A tramóia foi tão cabeluda que até a Abril noticiou.

Pelo menos uma vez, portanto, a Revista Fórum terá que concordar com Eliane Cantanhêde. Foi um legado e tanto. Que o digam os grupos Folha, Abril, Santillana, Globo, Estado e Microsoft.

Fonte: Idelber Avelar, no sítio da Revista Fórum


Morreu Paulo Renato:
Morreu sem retrucar seu título de “Ministro-Rei da Privatização da Educação”.
• Morreu sem explicar as milhares de assinaturas de jornais e revistas do PIG (só as do PIG) para as escolas de São Paulo.
• Morreu sem explicar a compra sem licitação das mais de 200 mil cópias do Windows da Microsoft à qual seu irmão era advogado.
• Morreu sem explicar a “Lei de Mensalidades”, uma medida para salvar as faculdades privadas que estavam com alto índice de inadimplência.
• Morreu sem explicar sua insistente defesa da privatização da Petrobrás.
• Morreu sem explicar a responsabilidade na distribuição de centenas de milhares de livros de conteúdo adulto para crianças em fase de alfabetização ou que orientavam alunos do ensino médio a acessar sites pornográficos.
• Morreu sem explicar suas ligações com o di Gênio do Objetivo onde seu outro irmão era o chefe do setor de audiovisual .
• Morreu sem explicar o sucateamento das escolas técnicas na gestão FHC, da qual foi ministro.
• Morreu sem explicar suas relações com os hermanos de España , o Grupo Santillana (editora Moderna).
• Morreu sem explicar os 8 anos sem reajustes salariais dos professores de universidades federais.
• Morreu sem explicar as milhares de universidades privadas que se expandiram com critérios para lá de discutíveis.
• Morreu sem explicar os contratos suspeitíssimos com a Fundação Carlos Vanzolini e o grupo Positivo, responsáveis pela elaboração e impressão de milhares de atlas com m últiplos Paraguais, cartilhas para professores e alunos cheias de erros conceituais, de português e de digitação.
• Morreu sem explicar sua relação carnal com a Editora Abril e com o grupo COC.
• Morreu sem explicar a mágica de um Conselho Estadual de Educação, dominado por representantes de escolas privadas e de empresas financiadoras das campanhas eleitorais do PSDB.
• Morreu sem explicar como atuava sua empresa de consultoria – a PR Consultoria – que se fingia de morta, mas seu idealizador, Paulo Renato, e seus parceiros estavam vivos até demais.
• Morreu sem explicar as razões do desempenho pífio dos alunos do estado mais rico do país nos exames oficiais de avaliação nacional.
• Morreu sem explicar porque, de repente, mandou cancelar sua “jenial” proposta de dois professores por sala de aula.
Fonte: Texto que circulou na internet sem menção ao autor e fonte

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Os custos, os preços e os bobos


Para negociar competitividade, também é preciso discutir as altas margens praticadas no Brasil

Muito se fala a respeito da competitividade da indústria brasileira (ou a falta dela). Depois de perderem a camuflagem que o câmbio favorável garantiu até meados dos anos 2000, com o dólar cotado acima dos R$ 2, os problemas afloraram, com consequente queda de exportações e aumento de importações. A desvantagem cambial atingiu em cheio o setor automotivo no Brasil, que reclama, fazendo aparecer o discurso da competitividade. Mas, como de costume, os empresários colocam todas as culpas de suas mazelas em fatores externos aos muros das fábricas – custos altos demais para produzir no País, logística capenga, impostos que comem um terço do preço de um carro, os maiores juros do mundo. 

Tudo isso é verdade. Contudo, há outras verdades não ditas. Se os custos de produção de veículos aqui são até 60% mais altos do que na China, como revela um estudo de competitividade feito pela PricewaterhouseCoopers (PwC) por encomenda da Anfavea, o que dizer das margens praticadas no Brasil de 40% a quase 100% embutidas nos preços de fábrica dos veículos? Isso é competitivo? E os produtos feitos aqui inadequados para exportação? Como vendê-los? O custo da mão de obra também não fica atrás: em dólares, segundo o mesmo levantamento da PwC, é na média 342% mais alto do que na Índia e 305% maior do que na China. Porém, esqueceu-se de informar que o valor da hora trabalhada por um brasileiro em uma montadora é 87% menor do que nos Estados Unidos e na Europa. Para sermos competitivos, precisamos ter salários como os dos indianos e chineses? Se fosse assim, haveria mercado de consumo suficiente para sustentar, por exemplo, os preços cobrados pelas fábricas?

No fim de junho a associação dos fabricantes de veículos, a Anfavea, divulgou à imprensa um resumo do estudo de competitividade que encomendou à consultoria PwC e entregou ao governo. Pois lá estão todas as desvantagens de se produzir carros no Brasil, incluindo materiais e mão de obra, que fazem o País parecer o pior lugar do mundo para se construir uma indústria. Tudo é ruim, tudo é mais caro. Seria essa a explicação para se fabricar aqui os piores carros mais caros do mundo, com preços muito altos em comparação a outros mercados e pelo conteúdo inferior que oferecem.

Margens estratosféricas

É verdade que o custo brasileiro não está competitivo no exterior. De acordo com dados do Aliceweb, sistema do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior que armazena preços de importações e exportações, o valor médio de embarque (FOB) de um automóvel made in Brazilcom motor acima de 1,5 litro, exportado para países da América do Sul no período de janeiro a maio deste ano, foi de US$ 10,5 mil. A título de comparação, um chinês Chery Face 1.3 desembarca no Brasil com preço FOB (sem incluir frete, seguro e impostos) de US$ 7,1 mil, muito próximo do conterrâneo “completão” JAC J3 Turin sedã, que chega ao porto por US$ 7,7 mil. A diferença, como se vê, é grande. Contudo, para competir com a China, o Brasil teria de decretar uma ditadura, controlar o câmbio e pagar mal seus trabalhadores. Melhor esquecer isso.

O problema é quando esse carro nacional exportado compete com ele mesmo no mercado nacional. Partindo do preço FOB médio de exportação de um carro 1.6, de US$ 10,5 mil, após aplicar a carga tributária brasileira, a maior do mundo sobre automóveis, esse mesmo veículo custaria R$ 24,4 mil, considerando que o exportador já colocou seu lucro no valor. Pois no Brasil não se acha um modelo 1.6 por menos de R$ 33 mil (equivalente a um Volkswagen Gol “peladão”), valor 36% mais caro. A margem, portanto, ainda é bastante elástica para competir no mercado interno.

O que não se ouve dos dirigentes da indústria automotiva nacional, em nenhum momento, é a admissão de que os produtos feitos aqui não servem para ser exportados não só por causa do custo, mas também porque foram pensados e projetados para oferecer o menos possível pelo maior preço possível. Poucos mercados no mundo compram veículos assim, o que significa uma dificuldade de exportação maior do que qualquer desvantagem cambial. E até os brasileiros querem coisa melhor: prova disso é crescente aumento no País da preferência por modelos mais bem equipados e com motorização superior a 1 litro, que pela primeira vez em mais de uma década superaram as vendas dos chamados carros populares, com mais de 52% dos emplacamentos de novos.

Muitos desses carros (20%) são importados e alguns deles conseguem chegar ao País custando menos do que os nacionais, mesmo pagando imposto de importação de 35%, como é o caso dos chineses. O estarrecedor é verificar como os importadores também praticam margens estratosféricas no Brasil. Para ficar com os mesmos exemplos, o preço de nacionalização do JAC J3 Turin (após todos os impostos II, IPI, ICMS e PIS/Cofins) fica em R$ 19,3 mil para o importador, mas ele é vendido por quase R$ 33 mil, com margem de 106%. No caso do Chery Face esse porcentual é de 85%: o modelo salta de R$ 17,8 mil na importadora para R$ 33 mil nas lojas. O mesmo acontece com o carro mais barato à venda no Brasil, o Chery QQ, que chega com preço FOB de US$ 4,4 mil, é nacionalizado por R$ 12,4 mil e depois é vendido por R$ 23 mil, 86% mais.

Há também interessantes exemplos de montadoras importadoras. A Ford traz do México, sem pagar imposto de importação, o New Fiesta, com motor 1.6 feito no Brasil, pelo preço FOB de US$ 11,4 mil, nacionaliza o modelo por R$ 27 mil e cobra R$ 51,4 mil do consumidor (margem de 90%). A Fiat monta o Siena na vizinha Argentina, com motor e muitos componentes brasileiros, traz a versão Essence por US$ 12,9 mil (FOB), que após aplicação de impostos ficaria em R$ 29,7 mil, mas vende por R$ 41,3 mil (39% de margem).

E qual o segredo para vender o carro relativamente mais caro do mundo? O crédito, que mesmo com os juros mais altos do mundo, acomoda em suaves prestações que cabem no bolso todas as assimetrias de custos, preços e bobos do mercado brasileiro.

Custo x Lucro

Por mais que nessas margens de venda estejam incluídas despesas comerciais, publicidade e marketing, lucro dos concessionários (dizem que não passa de 5% e pode ser zero), as diferenças parecem grandes demais. Cledorvino Belini, presidente da Anfavea, ao apresentar o estudo da PwC deu uma pista do porquê: “Os custos de remuneração de capital no Brasil são os maiores do mundo”, disse. Ou seja, para compensar os investimentos feitos aqui e ganhar mais do que em aplicações financeiras, a rentabilidade de um negócio precisa ser também das mais altas do mundo.

A corporação que Belini dirige no Brasil, a Fiat Automóveis, sabe bem disso. Em 2010 a Fiasa reportou lucro líquido de R$ 1,6 bilhão, o que significa margem de 7,7% sobre o faturamento de R$ 20,7 bilhões. No mundo todo, montadoras ficam muito contentes quanto obtêm margem de 5%. O Grupo Fiat, por exemplo, contabilizou 3,9% no ano passado. (Das outras fabricantes instaladas no País nada se sabe a respeito, pois os lucros apurados no País são tratados como informações de caixa-preta e ficam escondidos no meio dos balanços globais – a Fiat é a única que publica balanço separado no Brasil).

Portanto, se os custos são altos no País, os lucros também são. Uma mostra disso são as remessas de dividendos de fabricantes de veículos às suas matrizes. Segundo dados do Banco Central, de janeiro a maio deste ano foram remetidos US$ 2,3 bilhões, o dobro do que foi enviado no mesmo período de 2010. Com esse valor, a indústria automobilística é o setor que mais pagou lucros aos controladores estrangeiros neste ano.

Lucrar não é desonesto, mas as montadoras tratam disso como se fosse, pois escondem esse número aqui o quanto podem. Não seria por outro motivo que, apesar dos custos não competitivos, o Brasil continua bastante interessante, com um horizonte de mercado em mais três ou quatro anos de 6 milhões de veículos vendidos por ano com uma grande margem embutida em cada um deles. Tanto que mais de uma dezena de montadoras têm planos de ampliar a produção e construir novas fábricas no País – como a Fiat em Suape, a Chery em Jacareí, a Hyundai em Piracicaba e a Toyota em Sorocaba, só para citar os maiores investimentos.

Antes de reclamar do custo Brasil, seria interessante aumentar a transparência, colocar todas as verdades sobre a mesa, como a que diz respeito ao custo do trabalho no Brasil, de US$ 7,70 por hora, contra US$ 1,74 na Índia segundo a Anfavea, mas de no mínimo US$ 15 nos Estados Unidos (o salário mais baixo atualmente em uma montadora), podendo chegar a US$ 60 na General Motors e US$ 55 na Toyota. Essa não é uma vantagem competitiva e tanto? O que queremos ser passa necessariamente com o que queremos nos comparar. Seremos um país de baixo custo e, por consequência, de baixo consumo? É preciso discutir honestamente o quanto cada parte (indústria e governo) pode ceder, para que ninguém tenha que se passar por bobo na hora de negociar custos e preços. Assim o País pode evoluir para os melhores exemplos, não os piores.

Fonte: OBSERVATÓRIO AUTOMOTIVO - PEDRO KUTNEY

Ainda sobre o preço dos automóveis no Brasil

Presidente da Ford: "preço alto do carro não é só culpa do imposto"

O presidente da Ford Brasil, Marcos de Oliveira, disse que é preciso um acordo com o governo e todas as partes envolvidas no setor automobilístico para resolver o problema do custo da produção de carro no Brasil. Ele admitiu que o alto preço do carro ao consumidor brasileiro não é apenas por culpa do imposto.

"O problema é muito mais amplo" - disse o dirigente ao repórter José Carlos Pontes, da Agência AutoInforme. "Não queremos uma reunião com o governo para reivindicar a redução do imposto. Nem queremos tocar neste assunto. É preciso uma discussão mais ampla, para evitar que daqui a alguns anos haja problemas sérios com a indústria automobilística brasileira".
Segundo Marcos de Oliveira, o Brasil corre o risco de "desindustrialização", isto é: a redução da produção local em consequência do aumento das importações.
O presidente da Ford disse que a concorrência está derrubando os preços, e com isso a rentabilidade das montadoras está diminuindo. E ameaçou: "resta saber até quando vamos aguentar. Se essa situação não for mudada, creio que em cinco anos a indústria vai começar a demitir".
Um estudo feito pela Anfavea, a associação dos fabricantes, mostra que o custo de produção do carro no Brasil é 60% maior do que na China. Foi estabelecido um índice de custo 100 para a China. Para o México esse índice seria 120 e para o Brasil 160.
O curioso é que os maiores importadores de carros no Brasil são as montadoras, notadamente as quatro grandes. Elas são responsáveis por nada menos do que 78% de todos os carros estrangeiros vendidos no País. Os importadores oficiais, reunidos na Abeiva, importaram no semestre 20% do total, carros que, além dos impostos normais, pagam 35% de alíquota de importação; os outros 2% foram trazidos por importadores independentes.
A despeito do alto custo de produção, o Brasil continua recebendo investimentos em novas fábricas.
A Chery faz a cerimônia do lançamento da pedra fundamental da sua fábrica em Jacareí no próximo dia 19. Conforme anunciou o Carsale nesta semana, a Lifan e a importadora brasileira Effa assinaram um acordo para a construção de uma fábrica no Brasil com investimento inicial de US$100 milhões e produção de 10 mil unidades por ano. As duas montadoras já investiram US$ 70 milhões num centro de pesquisa e desenvolvimento, para a criação de um carro pequeno.
Ou os dados do estudo da Anfavea estão errados ou os chineses estão muito mal informados. E vão quebrar a cara. Qual a sua aposta?
Reação
A repercussão da reportagem especial Lucro Brasil foi avassaladora. Foram 700 mil visitas no blog, 2000 comentários, 300 emails, quase a totalidade dos comentários concordando que o carro no Brasil é muito caro e que não há explicação para isso.
As raras vozes discordantes vieram de um instituto que "defende a liberdade de propriedade", e de um colunista, que classificou a reportagem como "crítica fácil".
Fácil - e confortável - é reproduzir o discurso da indústria, que culpa o imposto por todas as mazelas do setor.
Difícil é explicar, como tentamos, de onde vem essa grande margem que faz o carro brasileiro ser o mais carro do mundo.
Fonte: UOLCarros 

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Sobre jequitibás e eucaliptos

Depois de quase querer me mudar de país lendo o ótimo trabalho feito pelo jornalista Joel Silveira Leite no blog "O mundo em movimento", que desvenda os "mistérios" do preço dos automóveis no Brasil, resolvi - inspirado por um vídeo publicado no Facebook - compartilhar aqui um texto do Rubem Alves.  Se por um lado posso lamentar por ser brasileiro, por outro muito me orgulho.



Sobre Jequitibás e Eucaliptos


Educadores, onde estarão? Em que covas se terão escondido? Professores, há aos milhares. Mas o professor é profissão, não é algo que se define por dentro, por amor. Educador, ao contrário, não é profissão; é vocação. E toda vocação nasce de um grande amor, de uma grande esperança.


Profissões e vocações são como plantas. Vicejam e florescem em nichos ecológicos, naquele conjunto precário de situações que as tornam possíveis e - quem sabe? - necessárias.


Destruído esse habitat, a vida vai-se encolhendo, murchando, fica triste, mirra, entra para o fundo da terra, até sumir.


E o educador? Que terá acontecido com ele? Existirá ainda o nicho ecológico que torna possível a sua existência? Resta-lhe algum espaço? Será que alguém lhe concede a palavra ou lhe dá ouvidos? Merecerá sobreviver? Tem alguma função social ou econômica a desempenhar?


Uma vez cortada a floresta virgem, tudo muda. É bem verdade que é possível plantar eucaliptos, essa raça sem vergonha que cresce depressa, para substituir as velhas árvores seculares que ninguém viu nascer nem plantou. Para certos gostos, fica até mais bonito: todos enfileirados, em permanente posição de sentido, preparados para o corte. E para o lucro. Acima de tudo, vão-se os mistérios, as sombras não penetradas e desconhecidas, os silêncios, os lugares ainda não visitados.


O espaço racionaliza-se sob a exigência da organização. Os ventos não mais serão cavalgados por espíritos misteriosos, porque todos eles só falarão de cifras, financiamentos e negócios.


Que me entendam a analogia.


Pode ser que educadores sejam confundidos com professores, da mesma forma como se pode dizer: jequitibá e eucalipto, não é tudo árvore, madeira? No final, não dá tudo no mesmo?


Não, não dá tudo no mesmo, porque cada árvore é a revelação de um habitat, cada uma delas tem cidadania num mundo específico. A primeira, no mundo do mistério, a segunda, no mundo da organização, das instituições, das finanças. Há árvores que têm personalidade e os antigos acreditavam mesmo que possuíam uma alma. É aquela árvore, diferente de todas, que sentiu coisas que ninguém mais sentiu. Há outras que são absolutamente idênticas umas às outras, que podem ser substituídas com rapidez e sem problemas.


Eu diria que os educadores são como as velhas árvores. Possuem uma face, um nome, uma "história" a ser contada. Habitam um mundo em que o que vale é a relação que os liga aos alunos, sendo que cada aluno é uma "entidade" sui generis, portador de um nome, também de uma "história", sofrendo tristezas e alimentando esperanças. E a educação é algo para acontecer nesse espaço invisível e denso, que se estabelece a dois. Espaço artesanal.


Mas professores são habitantes de um mundo diferente, onde o "educador" pouco importa, pois o que interessa é um "crédito" cultural que o aluno adquire numa disciplina identificada por uma sigla, sendo que, para fins institucionais, nenhuma diferença faz aquele que a ministra.


Por isso professores são entidades "descartáveis", da mesma forma como há canetas descartáveis, coadores de café descartáveis, copinhos de plástico para café descartáveis. De educadores para professores realizamos o mesmo salto que de pessoa para funções. (...)


Não sei como preparar o educador. Talvez porque isso não seja nem necessário nem possível... É necessário acordá-lo. E aí aprenderemos que educadores não se extinguiram como tropeiros e caixeiros. Porque, talvez, nem tropeiros nem caixeiros tenham desaparecido, mas permaneçam como memórias de um passado que está mais próximo do nosso futuro que o ontem.


Basta que os chamemos do seu sono, por um ato de amor e coragem. E talvez, acordados, repetirão o milagre da instauração de novos mundos.


ALVES, Rubem. Sobre Jequitibás e Eucaliptos. in: Conversas com quem gosta de ensinar.