sábado, 1 de fevereiro de 2014

A missão de Thomas Traumann

Por Paulo Nogueira, no Diario do Centro do Mundo.

Thomas Traumann foi uma excelente aquisição para a Secom.

Trabalhamos juntos na Época em meados dos anos 2 000. Thomas é um jornalista competente e um homem de caráter.

Fazia, na revista, uma das seções mais lidas: Filtro. Como o nome diz, era uma filtragem das notícias mais importantes da política. (O espírito dela está presente em nosso Essencial.)

Eu era diretor editorial, e minha divisa era: “um olho na revista e outro no site”. Thomas, com seu Filtro, era a representação disso .

Na edição semanal, você tinha ali o principal do mundo político no papel. Diariamente, pela internet, você se informava por Thomas.

O mundo político acompanhava-o. Lembro que uma vez Serra, então forte candidato à presidência, nos contou que uma de suas leituras obrigatórias era o Filtro de Thomas.

Ele chega à Secom sob uma cínica desconfiança da mídia.

Absurdamente privilegiada há anos, décadas, por sucessivos governos com coisas como publicidade em doses abjetas e financiamentos a juros maternos em bancos públicos, a mídia teme que a Secom coloque algum dinheiro em blogs que representam, hoje, a garantia de que vozes e visões alternativas chegarão à sociedade.

As companhias de jornalismo defendem, essencialmente, seus próprios interesses – e os do grupo a que pertencem, o chamado 1%.

Antes da internet, elas comandavam – manipulavam – a opinião pública. Veja o que elas fizeram com Getúlio e, depois, Jango. Com Lula, no Mensalão, o mesmo comportamento padrão se repetiu – a tentativa de minar governantes populares. A diferença é que a estratégia não funcionou. A intenção era a mesma.

Foi nesse quadro que a internet surgiu e floresceu como uma vital contrapartida às empresas de mídia.

Colunistas que reproduzem o pensamento patronal estão criticando a nomeação de Thomas.

Reinaldo Azevedo – que tem uma velha obsessão por mim – é um deles.

É até engraçado. Quando dirigiu uma revista a favor do PSDB, Azevedo recebeu mensalões do governo paulista na forma de anúncios. Nem isso foi suficiente para salvar a publicação.

A revista para a qual ele trabalha – a Veja – é abençoada com a compra de lotes consideráveis pelo governo de Alckmin.

Os exemplares vão terminar em escolas estaduais cujos alunos estão na internet. São conhecidos os relatos de gente que vê as revistas indo para o lixo exatamente como chegam – na embalagem plástica.

Alguém pode imaginar jovens lendo revistas de papel, com a internet à sua disposição? Mas o governo Alckmin gasta milhões em Vejas que não serão lidas por estudantes que sequer a conhecem.

Thomas Traumann chega com uma missão relevante: dar mais nexo ao investimento publicitário oficial.Faz sentido a Globo – com audiência em queda aguda por conta também da internet – continuar a receber tanto dinheiro em anúncios governamentais?

A Globo é uma bizarrice. Graças ao BV (Bonificação por Volume), uma espécie de propina para as agências, a Globo tem 60% da receita publicitária brasileira tendo 20% da audiência.

Todo este dinheiro – o governo colocou 6 bilhões de reais nos últimos dez anos – alimenta uma máquina que defende os interesses dos Marinhos, dos Marinhos e ainda dos Marinhos.

E defende bem: os herdeiros de Roberto Marinho têm, juntos, a maior fortuna do Brasil, como mostra a lista de bilionários da Forbes. São cerca de 55 bilhões de dólares, somados.

Durante muito tempo, só o governo pagava tabela cheia de publicidade quando os anunciantes privados tinham descontos que podiam passar de 50%. Era uma torração infernal de dinheiro público.

Dívidas com bancos oficiais eram pagos, frequentemente, com anúncios. Nos anos 1980, o Jornal do Brasil regurgitava de anúncios do governo

.Investir no jornalismo digital é fundamental – sobretudo para a sociedade. Jango não teria sido derrubado tão fácil se na época houvesse a internet para mostrar o que os jornais não mostravam.

Teríamos evitado, simplesmente, a ditadura militar – a qual, além de matar brasileiros, construiu um país campeão mundial de desigualdade.

Os militares – apoiados pela mídia – fizeram um governo de ricos, por ricos e para ricos.

Thomas, na Secom, é a esperança de que cheguem ao fim as mamatas das empresas de mídia no que diz respeito às verbas oficiais.

Se Thomas se sair bem, mais que o governo Dilma, quem ganhará mesmo é a sociedade brasileira.

As manchetes da grande mídia.

O poder das palavras e a capacidade da grande mídia na manipulação de suas manchetes. Junte-se a isso a preguiça intelectual de boa parte dos brasileiros e instala-se o pessimismo.


A “penúltima verdade” da Folha

1 de fevereiro de 2014 | 07:40 Autor: Miguel do Rosário
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Uma das sinopses mais comuns nos clássicos de ficção científica diz que a realidade tal qual a conhecemos não é a verdadeira realidade. Philip Dick tem algumas obras onde conta essa mesma história de maneiras diferentes. Em The Penultimate Truth (A penúltima verdade), por exemplo, a humanidade vive nos subterrâneos, trabalhando para uma guerra que já terminou há anos. Um grupo de ricaços controla as informações passadas à população, para que ela continue trabalhando em regime de semi-escravidão, vivendo em cidades construídas embaixo da terra. Inventam-se crises, batalhas perdidas, disseminam-se ameaças, esperanças, sempre mentirosas, tudo para que um grupo de conspiradores prossiga desfrutando de uma vidinha milionária na superfície do planeta.
Na literatura e no cinema anglo-americanos, há dezenas, quiçá centenas, de obras que denunciam os arbítrios e os riscos de uma mídia corporativa excessivamente poderosa. Em “O Amanhã nunca morre”, um filme da franquia 007, um poderoso magnata da imprensa mundial, Elliot carver, almeja dominar o mundo através da manipulação midiática: inventa uma guerras aqui, uma crise acolá, e vai virando dono de tudo.
Às vezes eu fico a imaginar que nossa mídia deveria ser mais explorada por nossos ficcionistas do livro e da tela. Ontem mesmo, esbarrei numa reportagem  (a da imagem acima) que me deu ideia para um romance. A história poderia ser a seguinte: meia dúzia de órgãos de mídia, organizados em cartel, tentam vender à população que seu país vive uma terrível crise econômica. Mas é mentira, não há crise nenhuma. Os conspiradores manipulam as notícias para comprar ações baratas e lucrar com o aumento dos juros.
O jornal informa que o Bradesco divulgou seu balanço de 2013. Tudo cresceu: carteira de crédito, faturamento e lucro líquido. Quer dizer, uma coisa caiu: a inadimplência (favor mandar emails para Diogo Mainardi).
Entretanto, os editores dão o seguinte título à matéria: “Bradesco diminui expansão de crédito”, o que poderia ser traduzido, com um pouquinho de humor, para “crédito aumentou, mas caiu”.
A base para a matéria sequer é a comparação entre a expansão de 2013 sobre o ano anterior com a de 2012. Não. O título busca sentido no fato do Bradesco ter “estimado”, no início do ano, expandir o crédito em 13% mas expandiu “apenas” 11%.
O Santander, outro grande banco que divulgou esta semana seu balanço de 2013, ampliou sua carteira de crédito em 7,5%.
Queda na inadimplência, aumento nos lucros, nada disso tem imporância para os editores da Folha. O que vale é investir no baixo astral e na manipulação das notícias, para que os leitores, como no livro de Philip Dick, continuem trabalhando silenciosamente nos subterrâneos, enquanto os donos da mídia e seus sócios se tornam a cada dia mais e mais ricos.
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http://tijolaco.com.br/