Por duas vezes, na minha primeira infância, moramos em uma fazenda no interior de São Paulo, mais precisamente em Dourado. Na segunda delas, início da década de 1960, recebemos a visita do Zé Cecílio, um primo que na época tinha 15 ou 16 anos de idade.
Para as pessoas que vivem na cidade, a vida no campo tem muitos atrativos, mas tem também algumas armadilhas. E para o Zé, essa armadilha atendia pelo nome de Estrela. Uma vaca arredia, de comportamento instável, que exigia cuidado constante mesmo das pessoas habituadas com a lida diária. Sem chance de errar, ela foi responsável pelo maior susto que o Zé já teve na vida.
Em uma daquelas tardes, vaca Estrela foi levada ao curral para que pudesse ser tratada de uma ferida ocasional. Foi laçada ao tronco – uma tora fincada no centro do curral para facilitar a imobilização de animais bravios. Do lado de fora, Atílio, meu irmão mais velho, e Zé Cecílio, apoiados sobre as três tábuas da cerca, observavam. Eu, ainda pequeno, me aboletei no telhado do paiol de onde tinha visão privilegiada. Do lado de dentro, um vizinho da fazenda e meu pai tentavam dominar a Estrela, cujo laço já dava a volta necessária no tronco. Bastava agora diminuir a distância para que ela fosse totalmente imobilizada. Bastava, mas... Num momento de fúria e usando de toda sua força, Estrela conseguiu se safar. Meu pai correu para um lado, o amigo para outro e Estrela em direção à cerca onde estavam Atílio e Zé Cecílio, que segurava nas mãos um pedaço de pau. Uma cabeçada, mais outra, e Estrela, enfurecida, não desistia. Aos gritos meu pai pedia para que o Zé batesse com o pedaço de pau na cabeça dela. De nada adiantou. Lá pela quarta ou quinta tentativa, ela arrebentou a cerca. Atílio conseguiu se livrar com certa facilidade. Já o Zé correu para o lado errado e se deparou com outra cerca, esta feita de lascas de macaúba – uma espécie de coqueiro – com aproximadamente 1,5 metro de altura. Mas não titubeou. Passou por ela de forma acrobática, sem mesmo tocá-la, sequer com as mãos. Caiu no terreiro da casa e assustado, subiu a escada que dava acesso à cozinha onde encontrou minha mãe. Tia, disse ele, me dá um gole de café!
Embora assustador, o episódio foi motivo de muito riso depois. Mas o melhor ainda estava por vir.
A nossa casa não tinha forro. As paredes iam até a altura do teto e deixavam um vão entre o topo e o telhado. Zé Cecílio dormia em um quarto com a cama encostada na parede. Do outro lado ficava o quarto do Álvaro, o meu outro irmão. Encostada na parede, uma escrivaninha.
E foi nesse cenário que no meio da madrugada, Álvaro foi acordado por um barulho. Ao acender a lamparina, deparou-se com o Zé, imóvel e atônito, em pé sobre a escrivaninha. O que você está fazendo aí, perguntou ele? E respondeu o Zé: fugindo da vaca Estrela!
Pela manhã ficamos sabendo que Zé Cecílio sonhou com a vaca Estrela, pulou a parede e caiu em pé sobre a escrivaninha do quarto ao lado.
Passados 50 anos, há quem diga que o Zé Cecílio evita olhar para cima em noite de céu estrelado!
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