Final dos anos 1950. Interior de São Paulo. Início da noite,
logo após o jantar, cadeiras na calçada. Filhos, pais, tios e avós. O cotidiano era comentado. Notícias do rádio
também.
O pequeno avião que se acidentou ao bater em fios de
eletricidade pouco antes do pouso vitimou um casal de passageiros e o piloto. O
marido era o dentista da cidade.
As notícias chegavam lentamente. E assim, noite após noite, os
detalhes eram esmiuçados até que um fato novo acontecesse. A memória era
construída aos poucos, capítulo a capítulo, tal qual uma novela. Passados
alguns dias, era possível saber em detalhes as roupas que as vítimas usavam.
Não à toa dizemos que os antigos tinham uma memória
privilegiada.
E na roda das cadeiras, alguém sempre dizia que o mundo
estava mudando. É, no meu tempo não era assim, retrucava outro. E eu, atento, me
punha a imaginar como seria o mundo tempos depois.
Vida que segue. A música mudou. Os cabeludos chegaram e com eles aflorou o preconceito dos mais velhos. Aonde é que vamos parar, diziam. Pais proibiam seus filhos de ver a Jovem Guarda aos domingos na TV. E as mudanças acontecendo.
O homem pousou na lua. A TV, que até então viera para acabar com o rádio, ficou colorida. Ambos perderam as válvulas. A telinha mágica passou a receber imagens via satélite. E o mundo não parava de mudar..
O homem pousou na lua. A TV, que até então viera para acabar com o rádio, ficou colorida. Ambos perderam as válvulas. A telinha mágica passou a receber imagens via satélite. E o mundo não parava de mudar..
As mulheres deixaram o banco do passageiro e começaram a
dividir a direção dos carros com os homens. O biquíni, a minissaia. A
queima dos sutiãs. E os mais velhos compreendendo cada vez menos.
Veio o videogame e as crianças deixaram a liberdade das ruas
e se enclausuraram em seus quartos.
Quase três décadas depois, já na era dos computadores pessoais, surge a telefonia móvel e a
Internet. Parceiras, uma empurra a outra. E eu aqui imaginando qual seria a
reação dos meus avós.
Hoje, uma nova geração. Aliás, de novo, e sempre. Agora é a
turma do dedinho, do toque na tela. A galera on-line, das redes sociais, do
whatsapp. Do selfie e do check-in. Do armazenamento nas nuvens. E nas nuvens parecemos
viver, mesmo quando postos à mesa de jantar. Mesmo quando em um encontro de amigos.
Em casa, no bar, no trabalho, na escola, ou diante da TV. E depois do sexo
também.
Como sou da geração das cadeiras nas calçadas eu poderia até
dizer que no meu tempo era melhor. Mas isso não mudaria nada. Como não mudou
para mim quando ouvi o mesmo dos meus antepassados.
De concreto, temo que não saibamos fazer uso de maneira
adequada dessas maravilhosas ferramentas que nos permitem maior interação com as pessoas - ainda que virtual - dentro de um processo de comunicação
eficaz e instantâneo.
E o risco é grande. Risco de nos confinarmos à solidão de casa ou de uma tela e nos habituarmos com a ausência física do outro, com a falta do abraço, do beijo e do cafuné. Toque, só se for “touchscreen”. Sem falar do sorriso que, aos poucos e cada vez mais, estamos nos contentando com um “kkkkkk” ou “rsrsrs”.
E o risco é grande. Risco de nos confinarmos à solidão de casa ou de uma tela e nos habituarmos com a ausência física do outro, com a falta do abraço, do beijo e do cafuné. Toque, só se for “touchscreen”. Sem falar do sorriso que, aos poucos e cada vez mais, estamos nos contentando com um “kkkkkk” ou “rsrsrs”.
Por fim, e mais
grave, tendemos à ilusão de que o mundo virtual é a fiel representação da
realidade. Absorvidos pelas redes sociais onde as pessoas, encorajadas por um aparente
anonimato, pregam o ódio e revelam preconceitos, vamos nos convencendo de que
lá fora, nas cidades, nas ruas, o comportamento humano tenha de fato se
degradado.
Felizmente, há vida
lá fora. E ainda que você duvide, ela é diferente!
Se compartilhar é a palavra da moda, que tal
fazê-lo on-line e on-time, mas dividindo entre a vida virtual e a vida real?
E o mundo, acredite, não deixará de mudar.
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